“O CHAMADO DO
ALÉM...
UM CAMINHO PARA O DESCONHECIDO”.
PARTE I
E tudo sempre principiava como se fosse
para mim possível transitar ileso pelas chamas de um inferno. Um inferno de
labaredas rubras. Chamas de colorido imparcial.
O que importa deveras é que na verdade me
perdia de mim naquilo que sou. Naquilo que é expressão de mim no mundo. E
ilusoriamente meus sentidos me faziam crer que meu próprio corpo se mesclava a
uma matéria da qual a substância incandescente era da mesma natureza do fogo
que não só consome, como também destrói e conduz à cinzas, a natureza primeira,
talvez única de um ser.
E eu era então uma coisa não humana. Um
ente desvinculado de uma possível cadeia evolutiva. Minha forma, minha
particularidade enquanto coisa existente, se consistia em ter em mim mesmo o
poder da criação. A voz imperativa também da destruição, que ao vibrar
ressonante e impetuosa, estilhaçava toda e qualquer conformação de matéria que
não fosse eu mesmo, fazia parte também de mim.
E o mundo era eu, e o mundo cabia na palma
da minha mão. Tão minúsculo e insignificante como um simples grão de areia de
uma vasta praia, ou de um infindável deserto.
O sol e a lua e os astros não passavam de
conformações ou de uma extensão de mim naquilo em que me consistia - do ínfimo grão de areia, ao insondável
universo estelar da grandiosidade de mim. E eu e o deus éramos um. E meu poder
o poder do deus. A minha força e pungência de expressão não se distinguia de
qualquer possível existência que escapasse a minha plena e satisfatória e
estreita percepção.
E assim como se desenrola um antigo
pergaminho que quer conter em si a profundidade da origem de todas as coisas,
assim se desdobrava minha capacidade de visão. Visão de mim, visão do outro, visão
do universo.
E como que se a cada pensamento que se
desprendia de minha mente um tentáculo de meu próprio corpo fosse. Decepar um
desses tentáculos não me fazia falta, não me causava dano ou implicava em
perda, pois de imediato um novo
pensamento igual ou de mesma importância e valor renascia.
E meu tempo era de incontáveis dias. Minha
alma desconhecia início e não concebia fim. E o meu eu era por si só cósmico. A
universalidade minha, implicava na expansão e abrangência de meu poder. Um poder
sobre humano. Nada havia que meu espírito não abarcasse, nada à minha percepção
escapava. E se principiava a sensação de algum vazio, a possibilidade de um
vácuo, logo minha mente criadora o preenchia. E dor ou prazer se equivaliam e eu já não
distinguia do inferno, um possível paraíso, pois meu espírito consumava em si
próprio os dois princípios.
Sempre foi de minha capacidade
transfigurar ou estabelecer metamorfoses entre eu e toda e qualquer conformação
da matéria. E o medo, o verdadeiro horror,
implicava somente em saber que de alguma forma, tudo se transfigura, tudo na
verdade num determinado momento se vê despido de forma.
Eu concebia e a dor e alegria da concepção minha se
propagava feito luz. Um facho de mim invadia como que a vasta escuridão
interestelar, e lá estava eu, um astro, mais uma extensão de mim. E meu império
universalizava-se não em um corpo delimitado e tangível, mas numa expressão de
força, num poder configurado.
Jamais quis tanto como quando percebi
possível estender o meu querer para além de mim, numa espécie de potência
inexaurível, uma conformação estabelecida de meu eu supremo por sobre todo ser,
toda a matéria.
Antes de forma magistral, encontrava-me sempre
no mais insondável labirinto. O labirinto de mim. E sempre incansável,
percorria trilhas desconhecidas, indo rumo a uma pré-história, uma
possibilidade de vir a ser antes de ter realmente inclusive existido.
Eu já sabia de mim antes mesmo que a
primeira estrela despontasse no horizonte. E o sol que me aquecia, era meu eu
fincado feito pilastra, demarcação de origem; princípio e possibilidade de fim.
Investigava cada veio de minha
substancialidade e meu olhar ardia com o brilho incandescente das lavas que escorriam
da cratera profunda em que se consistia minha própria independência de existir.
E essa imparcialidade subjacente entre o eu e o todo, soberania minha sobre as
demais existências, conduzia-me como que, a saber hoje do amanhã, já tendo
esgotado por inteiro o ontem que foi pretérito.
Eternizado em mim o poder, estendia do
braço ora benigno, ora maligno e estipulava minha sentença sobre a
possibilidade do sono meu e de qualquer um que dormisse.
Previamente conhecedor de uma ruína que
na certa um dia pudesse vir a consumar - lançar ao esquecimento meu - a
concretude do todo, divagava sempre que me era possível, na possibilidade de
manter-me assim eterno.
“E disse o Trovão
ao Relâmpago:
- Esparrama teu
brilho, luz, fogo e fulgor,
já a luz em trevas se anuncia”
Nossa Ivan! Gostei muito. Muito bom mesmo. Parabéns.
ResponderExcluirGrato minha inesquecível amiga Sandra Zambrana.
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