sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

                  “O CHAMADO DO ALÉM...

        UM CAMINHO PARA O DESCONHECIDO”.


PARTE I



    E tudo sempre principiava como se fosse para mim possível transitar ileso pelas chamas de um inferno. Um inferno de labaredas rubras. Chamas de colorido imparcial.
    O que importa deveras é que na verdade me perdia de mim naquilo que sou. Naquilo que é expressão de mim no mundo. E ilusoriamente meus sentidos me faziam crer que meu próprio corpo se mesclava a uma matéria da qual a substância incandescente era da mesma natureza do fogo que não só consome, como também destrói e conduz à cinzas, a natureza primeira, talvez única de um ser.
     E eu era então uma coisa não humana. Um ente desvinculado de uma possível cadeia evolutiva. Minha forma, minha particularidade enquanto coisa existente, se consistia em ter em mim mesmo o poder da criação. A voz imperativa também da destruição, que ao vibrar ressonante e impetuosa, estilhaçava toda e qualquer conformação de matéria que não fosse eu mesmo, fazia parte também de mim.
    E o mundo era eu, e o mundo cabia na palma da minha mão. Tão minúsculo e insignificante como um simples grão de areia de uma vasta praia, ou de um infindável deserto.
    O sol e a lua e os astros não passavam de conformações ou de uma extensão de mim naquilo em que me consistia -  do ínfimo grão de areia, ao insondável universo estelar da grandiosidade de mim. E eu e o deus éramos um. E meu poder o poder do deus. A minha força e pungência de expressão não se distinguia de qualquer possível existência que escapasse a minha plena e satisfatória e estreita percepção.
     E assim como se desenrola um antigo pergaminho que quer conter em si a profundidade da origem de todas as coisas, assim se desdobrava minha capacidade de visão. Visão de mim, visão do outro, visão do universo.
     E como que se a cada pensamento que se desprendia de minha mente um tentáculo de meu próprio corpo fosse. Decepar um desses tentáculos não me fazia falta, não me causava dano ou implicava em perda,  pois de imediato um novo pensamento igual ou de mesma importância e valor renascia.
     E meu tempo era de incontáveis dias. Minha alma desconhecia início e não concebia fim. E o meu eu era por si só cósmico. A universalidade minha, implicava na expansão e abrangência de meu poder. Um poder sobre humano. Nada havia que meu espírito não abarcasse, nada à minha percepção escapava. E se principiava a sensação de algum vazio, a possibilidade de um vácuo, logo minha mente criadora o preenchia. E dor ou prazer  se equivaliam e eu   já não distinguia do inferno, um possível paraíso, pois meu espírito consumava em si próprio os dois princípios.
     Sempre foi de minha capacidade transfigurar ou estabelecer metamorfoses entre eu e toda e qualquer conformação da matéria.  E o medo, o verdadeiro horror, implicava somente em saber que de alguma forma, tudo se transfigura, tudo na verdade num determinado momento se vê despido de forma.
      Eu concebia  e a dor e alegria da concepção minha se propagava feito luz. Um facho de mim invadia como que a vasta escuridão interestelar, e lá estava eu, um astro, mais uma extensão de mim. E meu império universalizava-se não em um corpo delimitado e tangível, mas numa expressão de força, num poder configurado.
      Jamais quis tanto como quando percebi possível estender o meu querer para além de mim, numa espécie de potência inexaurível, uma conformação estabelecida de meu eu supremo por sobre todo ser, toda a matéria.
      Antes de forma magistral, encontrava-me sempre no mais insondável labirinto. O labirinto de mim. E sempre incansável, percorria trilhas desconhecidas, indo rumo a uma pré-história, uma possibilidade de vir a ser antes de ter realmente inclusive existido.
       Eu já sabia de mim antes mesmo que a primeira estrela despontasse no horizonte. E o sol que me aquecia, era meu eu fincado feito pilastra, demarcação de origem; princípio e possibilidade de fim.
       Investigava cada veio de minha substancialidade e meu olhar ardia com o brilho incandescente das lavas que escorriam da cratera profunda em que se consistia minha própria independência de existir. E essa imparcialidade subjacente entre o eu e o todo, soberania minha sobre as demais existências, conduzia-me como que, a saber hoje do amanhã, já tendo esgotado por inteiro o ontem que foi pretérito.
       Eternizado em mim o poder, estendia do braço ora benigno, ora maligno e estipulava minha sentença sobre a possibilidade do sono meu e de qualquer um que dormisse.
       Previamente conhecedor de uma ruína que na certa um dia pudesse vir a consumar - lançar ao esquecimento meu - a concretude do todo, divagava sempre que me era possível, na possibilidade de manter-me assim eterno.
      


                      
                            “E disse o Trovão ao Relâmpago:

                             - Esparrama teu brilho, luz, fogo e fulgor,
                                já a luz em trevas se anuncia”





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